sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A narrativa e as provas

Análise: José Ghirardi e Rafael Queiroz


A sessão de ontem mostrou significativa divergência entre o relator e revisor no tocante ao mérito da causa. Interpretando as mesmas normas e documentos, chegaram a conclusões opostas: Barbosa, o relator, votara pela condenação dos réus em todas as acusações;
Lewandowski, ao contrário, absolveu muitos integralmente. A divergência diz respeito não ao entendimento de dispositivos legais, e sim à análise das provas.
Mas o que significa isso? É impróprio dizer que as partes apresentam provas em um processo. Elas apresentam, isto sim, documentos e narrativas de fatos. Eles se tornam provas se convencem o juiz de que, sendo lícitas, revelam conexão entre causa e consequência. A divergência entre Barbosa e Lewandowski é dessa natureza. O relator demonstra adotar interpretação abrangente do que é admissível como prova, aceitando elementos produzidos na fase de investigação. Já o revisor tem interpretação mais restritiva, pois aquilo que é produzido fora da fase processual não tem, em seu entendimento, valor para condenar.

Há parâmetros que balizam essas divergências interpretativas, tais como as normas jurídicas, os consensos doutrinários, os precedentes do STF e o histórico de decisões de cada ministro. Mas, o sentimento popular de que certas coisas são possíveis, outras prováveis e outras impossíveis, é elemento central para que as narrativas que os juízes apresentam sejam críveis ou não, pareçam consistentes ou inconsistentes. O leigo que acompanha o julgamento espera que as narrativas dos julgadores não tornem sem sentido, de repente, as narrativas que ele tem para sua vida cotidiana.

A dificuldade reside na enorme assimetria de informações entre os espectadores, que só conhecem do processo aquilo que juízes, advogados e acusadores escolhem revelar, e esses protagonistas da causa, que têm acesso a todo o acervo de documentos, laudos e testemunhos e podem escolher aqueles que fundamentarão o convencimento que apresentarão ao grande público.

Quem só tem acesso ao enredo construído pelos magistrados deve buscar entender as divergências entre Barbosa e Lewandowski. Elas são importantes, pois pautarão os debates dos demais ministros.


Artigo publicado no jornal Estadão juntamente com Rafael Queiroz em 24/08/2012, disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-narrativa--e-as-provas-,920939,0.htm

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