Análise: José Ghirardi e Rafael Queiroz
A sessão de ontem mostrou significativa divergência entre o relator e revisor
no tocante ao mérito da causa. Interpretando as mesmas normas e documentos,
chegaram a conclusões opostas: Barbosa, o relator, votara pela condenação dos
réus em todas as acusações;
Lewandowski, ao contrário, absolveu muitos
integralmente. A divergência diz respeito não ao entendimento de dispositivos
legais, e sim à análise das provas.
Mas o que significa isso? É impróprio dizer que as partes apresentam provas
em um processo. Elas apresentam, isto sim, documentos e narrativas de fatos.
Eles se tornam provas se convencem o juiz de que, sendo lícitas, revelam conexão
entre causa e consequência. A divergência entre Barbosa e Lewandowski é dessa
natureza. O relator demonstra adotar interpretação abrangente do que é
admissível como prova, aceitando elementos produzidos na fase de investigação.
Já o revisor tem interpretação mais restritiva, pois aquilo que é produzido fora
da fase processual não tem, em seu entendimento, valor para condenar.
Há parâmetros que balizam essas divergências interpretativas, tais como as
normas jurídicas, os consensos doutrinários, os precedentes do STF e o histórico
de decisões de cada ministro. Mas, o sentimento popular de que certas coisas são
possíveis, outras prováveis e outras impossíveis, é elemento central para que as
narrativas que os juízes apresentam sejam críveis ou não, pareçam consistentes
ou inconsistentes. O leigo que acompanha o julgamento espera que as narrativas
dos julgadores não tornem sem sentido, de repente, as narrativas que ele tem
para sua vida cotidiana.
A dificuldade reside na enorme assimetria de informações entre os
espectadores, que só conhecem do processo aquilo que juízes, advogados e
acusadores escolhem revelar, e esses protagonistas da causa, que têm acesso a
todo o acervo de documentos, laudos e testemunhos e podem escolher aqueles que
fundamentarão o convencimento que apresentarão ao grande público.
Quem só tem acesso ao enredo construído pelos magistrados deve buscar
entender as divergências entre Barbosa e Lewandowski. Elas são importantes, pois
pautarão os debates dos demais ministros.
Artigo publicado no jornal Estadão juntamente com Rafael Queiroz em 24/08/2012, disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-narrativa--e-as-provas-,920939,0.htm
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