sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Desesperança e política

Um desalento enorme se abate sobre larga parcela dos cidadãos a poucas semanas das eleições. Submersos em um mar de imagens e mensagens que se repetem freneticamente, homogeneizadas todas pelas regras onipresentes do marketing, um número considerável de eleitores sente um
desânimo profundo, um cansaço insuperável. As pesquisas, embora apresentem as intenções de votos brancos e nulos, não conseguem, contudo, captar esse fenômeno dos que irão fazer sua escolha sem entusiasmo nem alegria,dos que se sentem incomodados pela sensação de que não há ninguém que, de fato, os represente.
A imagem superficialmente divertida e profundamente trágica do Tiririca candidato sintetiza a sensação de falência generalizada, de circo que, já tendo perdido a graça, insiste em ocupar o picadeiro. Remata esse sentimento de desânimo a sucessão vertiginosa de políticos bradando seu número e vociferando slogans em pouquíssimos segundos, as alianças estratégicas com quem quer que seja e pelo motivo que for, a negação pura e simples de fatos notórios porque não interessam à campanha, a estratégia de dizer que a corrupção está em toda a parte e que ninguém pode se dizer honesto.
Não podendo safar-se dessas agruras sem incorrer nas amolações miúdas da lei eleitoral, o eleitor angustiado namora a ideia do voto facultativo que lhe permitiria (será mesmo?) eximir-se de representar a contragosto um papel naquilo que vê como farsa. Ao mesmo tempo, ele pondera também resignar-se ao voto nulo porque parece já ter desistido, de vez, de acreditar que a política possa mudar e que as coisas possam ser diferentes.
Não é possível negar que as razões para essa desesperança são, infelizmente, muitas e muito profundas. A classe política brasileira - e não apenas ela - e as práticas com que tem construído e significado os espaços de poder tem se mostrado perversamente incapaz de promover o tipo de atuação pública com que se sonhava no retorno à democracia. Tamanho é o desencanto presente que, para muitos, a única solução possível parece ser mesmo a de abandonar o jogo e tocar finalmente o tango argentino de Manuel Bandeira.
Mas, a despeito das boas razões para o cansaço, voltar as costas à política não é uma opção nas sociedades democráticas. Não é uma opção nem mesmo em sociedades de longa e exasperadora tradição patrimonialista, que se lambuza no conchavo corriqueiro entre poderosos de todos os matizes ideológicos, em sociedades com larga e triste experiência com populismos triunfantes, com personalismos arrogantes e seus desastres, em sociedades que parecem insistir em perpetuar suas práticas de mando e de personalismo mais injustas. Nem mesmo nessas sociedades é legítimo abdicar da política. Pelo contrário.
O que se reconquistou no Brasil, a duras penas, o que uniu setores diferentes dessa sociedade felizmente plural foi justamente a luta pelo direito à política - ainda mesmo que imperfeita, confusa e problemática, como a política tantas vezes é. A tarefa urgente de revolucionar (reformar será pouco) a legislação eleitoral, a configuração partidária, as formas de responsabilização das autoridades e os mecanismos de representação democrática, para ficarmos em uma lista breve, não vai se materializar por encanto. Essa tarefa, e o aperfeiçoamento que poderá trazer ao país, será fruto de ação política - em seu sentido amplo - e demanda, para poder florescer no deserto inóspito da prática reinante, a ousadia de imaginar e a humildade de aprender com os outros.
É preciso muita coragem para olhar o mundo nos olhos e, percebendo todas as suas imperfeições, ainda assim amá-lo o suficiente para lutar para que se transforme, sugeriu uma vez Oscar Wilde (que também teve de lutar batalhas terríveis). Isto vale também para a vida política. É bom lembrar disso, sobretudo naqueles momentos em que ficarmos tentados a pensar que, de fato, não há mais jeito para o país.

Texto publicado no Brasil Post, em 04/09/2014, disponível em http://www.brasilpost.com.br/jose-garcez-ghirardi/desesperanca-e-politica_b_5769352.html

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