quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Nova abordagem de Shakespeare

Especialista brasileiro da obra de Shakespeare analisa a sociedade contemporânea a partir da visão do dramaturgo, e mostra como tanto Elisabetanos como os pós-modernos experimentam a falência do arcabouço simbólico (tradições e crenças) a partir do qual
tentam entender suas vidas. A loucura, a melancolia e o suicídio fizeram parte de um cenário caótico vivido pelos Elisabetanos e acabou inspirando a obra de Shakespeare, que não apenas levou aos palcos a sua época, como fez com que as suas peças o imortalizasse.

Neste mais recente lançamento do Grupo Almedina, O Mundo Fora de Prumo – Transformação Social e Teoria Política em Shakespeare, de José Garcez Ghirardi, Editora Almedina, 224 páginas, R$ 39,00. O autor– doutor e mestre em Literatura Inglesa pela USP e pesquisador da obra de Shakespeare há mais de vinte anos – afirma que uma das razões para o sucesso com que se celebra a obra de Shakespeare vem do fato de que ela coloca em cena tensões muito semelhantes àquelas que hoje experimentamos. E isso não porque ele fosse um homem adiante de sua época, como muitas vezes se diz. Na verdade, segundo o autor, podemos dizer que o mundo pré-moderno em que ele viveu era afetado por muitas contradições que desafiam nosso mundo pós-moderno. Uma dessas questões é a do sentido da existência individual.

“Muitos autores têm hoje buscado enfrentar esse tema, refletindo sobre os impactos, no cotidiano da vida comum, da perda de prestígio dos discursos tradicionais da religião e da política, por exemplo. Sem a crença no transcendente ou na grandeza dos ideais políticos, como definir os valores a partir dos quais se torna possível suportar e dar sentido ao inevitável sofrimento de cada dia? A falsa banalidade de nossas práticas diárias – os livros de autoajuda, os antidepressivos – testemunha que essa é uma questão que incomoda a muitos de nossos contemporâneos”.


Inúmeros personagens de Shakespeare estão em busca da mesma resposta – existe algum sentido último para nossas ações ou a vida humana de fato não passa de um conto cheio de fúria, dito por um louco, significando nada? Hamlet, é claro, é o personagem que mais imediatamente nos vem à lembrança quando pensamos nesse tema da ausência de sentido, embora muito outros (como Macbeth e Lear) revelem também a mesma angústia.

A legitimação da autoridade política, segundo o autor, também é outra questão que aproxima o mundo atual do tempo de Shakespeare.

“Nosso mundo é frequentemente cético em relação aos governantes e às suas razões para agir. Há um sentimento de que os que estão no poder são muitas vezes guiados por interesses bem pouco elevados, para dizer menos. A enorme repercussão causada pelas revelações do site Wikileaks, por exemplo, mostra o quanto as pessoas estão desencantadas com os governos, mesmo os democráticos. Parece que hoje em dia muitos estão desconfiados de que continua haver algo de podre (não só) no reino da Dinamarca (Hamlet)”.

Em O Mundo Fora de Prumo, José Garcez Ghirardi alinha o período Elisabetano ao nosso, a partir das peças de Shakespeare, cada capítulo subsequente elege uma questão como tema central e a examina a partir de uma peça específica. O autor buscou escolher para análise textos conhecidos e apresenta antes de cada capítulo uma pequena sinopse. A Megera Domada, Otelo, Macbeth, Hamlet, O Rei Lear, Romeu e Julieta entre outras peças estão na obra.


Entrevista concedida ao jornal Tribuna do Norte em 23/11/2011, disponível em http://tribunadonorte.com.br/noticia/nova-abordagem-de-shakespeare/203523

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